Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva

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-----Original Message-----
From: Marcelo Ferrari <spielberg2001@hotmail.com>
To: cienciacognitiva@yahoogrupos.com.br
<cienciacognitiva@yahoogrupos.com.br>
Date: Terça-feira, 7 de Agosto de 2001 16:02
Subject: [cienciacognitiva] Quem percebe?

> Olá, entrei na lista faz pouco tempo, mas tenho uma questão. Se me
> permitirem:
>
> "Eu" conheço. Esse "Eu" realmente existe?
>
> O simples ato de conhecer, automaticamente pressupõe, por oposição, uma
> cognição conhecendo, não é? Mas como podemos afirmar tão cientificamente que
> a pré-suposição existe se ela não pode ser conhecida.
>
> À uma pessoa que tenha percepções, poderíamos perguntar: “Quem percebe?”
> Se a resposta for Eu, ali está ativo o mecanismo da dualidade.
>
> Perceber requer um sujeito e um objeto. A memória também é assim,
> requerendo um sujeito para lembrar e um objeto para ser lembrado. Mas se não
> há dualidade, quem há para se lembrar de quê?

Marcelo,

Esse é um dos problemas que ainda intrigam os filósofos,
neurocientistas e cientistas cognitivos. Eu não tenho uma
resposta convincente para isso (na verdade, o problema da
consciência não está no centro dos meus interesses), mas
posso tentar mostrar a forma com que eu enxergo a questão.

Onde está o seu "eu" quando você está dormindo? Ele não
parece existir nessa situação. Mas mesmo assim, há um
bom número de neurônios em atividade frenética e o seu
organismo inteiro está vivo.

A nossa idéia de consciência e de identidade pessoal é
na realidade uma "sensação". Nós sentimos o nosso "eu"
quando temos nosso cérebro operando de uma certa forma,
dentro de certos padrões. Embora ainda não saibamos
tudo sobre essa questão, algumas coisas já estão claras.
Consciência exige contato de nosso cérebro com o meio
exterior através da percepção sensória. Se ficarmos
em ambientes com privação sensória, a consciência
parece que gradativamente se esvai.

Então, aquilo que chamamos de "eu" é na verdade não
um "estado", mas sim um "processo": só dá para perceber
se estiver em "movimento". Esse "eu" só existe (ou
melhor, só aparece) enquanto há atividade neural de
uma maneira específica com diversas áreas em sincronismo
e ressonância. Talvez uma das formas de entender a
consciência seja tentar entender o que diz o título
do mais recente livro de Antonio Damásio:

"The Feeling of what happens"

Até mais,
Sergio Navega.

-----Original Message-----
From: Marcelo Ferrari <spielberg2001@hotmail.com>
To: cienciacognitiva@yahoogrupos.com.br
<cienciacognitiva@yahoogrupos.com.br>
Date: Quarta-feira, 8 de Agosto de 2001 12:51
Subject: [cienciacognitiva] Re: Quem percebe?

> "Falei da Fadinha do Dente para colocar um exemplo de uma explicação
> igualmente implausível para certas coisas preconizadas por certas
> psicologias." (Sergio Navega)

> "Aquilo que chamamos de Eu é na verdade não
> um Estado, mas sim um Processo: só dá para perceber se estiver em
> Movimento". (Sergio Navega)

> Olá Sergio e lista

> Se o Eu está em movimento então ele não existe.
> Como pode haver unidade em uma coisa que passa?
> Se algo percebe o eu, o que é este algo?
> Não seria mais ensato aceitar que quem percebe é a Fadinha do Dente?

> Abraço
> Marcelo Ferrari

Olá, Marcelo, lista,

>Se o Eu está em movimento então ele não existe.

Eu não falei isso, falei que só dá para *perceber* o
"eu" se ele está em "movimento". As aspas aqui são necessárias
pois querem denotar que é um movimento que deriva da
operação de neurônios de uma certa maneira. Sem essa
operação especial, adeus consciência. Então, o "eu"
só "existe" enquanto há uma determinada forma de atividade
desses neurônios.

Tanto a fadinha do dente quanto o "eu" são, em minha forma
de ver a questão, ilusões. Mas sei que não é fácil para
muitos aceitar que nossa individualidade seja mera ilusão.
Há muita discussão sobre isso, inclusive com alguns
colocando que o problema "hard" da consciência não é
acessível à investigação científica, pois é a essência
do que é subjetivo. Não tenho opinião formada acerca disso.

A questão é complicada, pois existe uma pobreza da linguagem
para considerar coisas como a "percepção" ou a "sensação".
Se olho para o triângulo de Kanizsa (veja
http://www.intelliwise.com/reports/kanizsa.gif)
reconheço um triângulo, mas ele na verdade não "existe".
É apenas um artefato de minha mente, uma ilusão.
Entretanto, ainda assim eu tenho a *sensação* de que ele
existe. Será que ter uma sensação da existência de algo é
suficiente para objetivamente dizermos que esse algo existe?

É esse o problema: nós temos uma forte sensação
de consciência, mas na verdade tudo pode (veja bem, *pode*,
a ciência não tem condições hoje de afirmar isso) ser apenas
um efeito que emerge da operação neural de uma certa
maneira (grupos de neurônios oscilando de forma síncrona).

Entretanto, como eu já falei, consciência não é uma
questão que me atrai. O que realmente me atrai é a
noção de inteligência. E se é para provocar polêmica, aqui
vai mais uma oportunidade: eu acho que é possível que um
organismo possa ser considerado inteligente sem ser
consciente.

Até mais,
Sergio Navega.

From: Marcelo Ferrari <spielberg2001@hotmail.com>
>
> Olá caro Sergio e lista,
> Meu objetivo não é causar polêmica. Sinto apenas uma necessidade de
> explorar o paradigma do Eu. Se o paradigma do Eu é o que dá origem a tudo
> mais, parece-me fundamental questioná-lo antes de tudo mais. Sendo assim
> tenho outras questões...

Questionamento é vital, é como podemos trocar argumentações
e (possivelmente) evoluir com nossos conhecimentos. No entanto,
esse assunto de "eu" e consciência é um tópico para o qual ainda
me sinto insuficientemente preparado. Mas alguma coisa posso falar.

> Será que ter uma sensação da existência de algo é suficiente para
> objetivamente dizermos que esse algo existe? (Sergio Navega)
> Quem é este Eu que tem sensações da existencia do Eu? Será que o Eu é uma
> sensação "tendo sensações"?.

Não creio que consigamos avançar muito sobre estas
idéias, principalmente por causa das limitações da
linguagem. Eu, por exemplo, não vou conseguir passar
para você porque não gosto do paladar de suco de cajú.
É uma observação pessoal, subjetiva, que não tem como
ser codificada com precisão pela linguagem. Da mesma
forma, eu tenho a "sensação" de "eu", mas não consigo
passá-la para você, assim como você não consegue
passar a sua. Acabamos nos entendendo porque parece
que temos a mesma sensação (descrevemos de forma
similar), mas *nunca* saberemos ao certo se nossas
sensações são exatamente equivalentes.

Esses são conceitos para os quais não se pode
estabelecer uma codificação simbólica pública (ou seja,
não podemos usar a nossa linguagem para transportar
aquilo que sentimos a uma outra pessoa) e por isso
ou você sente uma coisa parecida ou não tem como
compreender o que outra pessoa diz. Por isso, a
"sensação da existência do eu" é algo que todos nós
parecemos sentir mas é uma noção completamente circular,
porque implica em um "eu" sentindo a si mesmo. Fica
horrível quando codificado em linguagem, e isso
ocorre porque essa idéia *não consegue* ser codificada
em linguagem. Um outro exemplo: tente ensinar a uma
pessoa a andar de bicicleta apenas através de palavras.
Mesmo que se passe o restante de nossas vidas dizendo
cada detalhe de como andar de bicicleta, na primeira
vez que essa pessoa for tentar andar, vai provavelmente
cair. É um aprendizado que não pode ser feito por
via linguística.

> .. nós temos uma forte sensação de consciência, mas na verdade tudo pode
> ser apenas um efeito que emerge da operação neural... (Sergio
> Navega)Novamente, quem seria este Eu tendo sensações de Consciencia? Se for
> o cérebro, pergunto: o cérebro também não é uma sensação?

Não tenho como lhe definir o que é uma sensação, e há
filósofos que propuseram questão similar a esta (a
pergunta que Nagel fez é: o que seria ser como
um morcego?). Ter uma sensação do "eu" parece ser uma noção
altamente circular, para a qual não consigo uma expressão
linguística adequada.

> Informação=Uma medida... (Sergio Navega)
> Mas medida=??? (sensação???)
> Se sim, então o Eu é uma medida...
> Como pode uma medida medir a si própria?

Aqui você cortou a frase no lugar errado. Informação é uma medida
da surpresa (probabilística) de um evento. Ao contrário de
toda essa nossa conversa sobre "eu", esse é um conceito que
pode ser definido de forma objetiva. Aqui vai um exemplo.

Você está jogando dados com seu colega. Ele joga o dado mas
você não vê que número saiu. Quais suas expectativas?

Você sabe que tem 1/6 de probabilidade de dar "1", o mesmo
valor de dar "2", "3", etc. Seu amigo vai lhe dar uma
dica. Ele diz assim para você:

"o número que saiu é par"

Qual o conteúdo informacional dessa frase? Basta medir
o que ocorre com a sua expectativa. Antes era de 1 número
em cada 6, agora é 1 número em cada 3. Isto significa
que a frase dita por seu amigo teve como efeito reduzir
a sua incerteza pela metade. Isto é o mesmo que dizer
que a frase de seu amigo tem 1 bit de informação.

É sobre essa noção de informação que podemos construir
uma visão da cognição na qual o cérebro vai progressivamente
construindo modelos informacionais do mundo. O mais
interessante é que esses modelos são construidos a partir
do "fracasso", ou seja, da surpresa. Quanto mais um
evento nos surpreende, mais temos a aprender com ele.

Até mais,
Sergio Navega.


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