Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva
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From: Spok <spokmail@yahoo.com.br>
>
>Olá amigos.
>
>Em um programa do Jô Soares, exibido no dia 05/06/01,
> assisti um jovem, de quatorze anos, que mora em
>Londrina - PR demonstrar suas habilidades paranormais
>em que, apesar de um pouco tenso com o momento ainda
>conseguiu fazer uma demonstração que me deixou
>admirado e pensativo.
>Ele teria a habilidade de entortar colheres, produzir
>calor em objetos como lápis, parar ponteiros de
>relógios, e sabe-se lá quais mais. Destes ele
>conseguiu demonstrar ao vivo e com a câmara
>focalizando bem de perto o entortamento do cabo de uma
>colher apenas friccionando seu dedo indicador. Nisso o
>cabo foi entortando para cima o que o impedia de
>tê-lo empurrado com o dedo pois o mesmo também estava
>por cima do cabo!
>
>Segundo o entrevistado, qualquer pessoa teria essa
>capacidade e ele também poderia fazer com que outra
>pessoa repetisse sua façanha com a sua ajuda.
>
>Agora proponho: na hipótese desse fenômeno ser real
>(como me pareceu) qual seria a natureza física dessa
>"força"?
>E ainda, parece que ele a pode direcionar para
>realizar ações bastante distintas e especializadas
>como convertê-la em energia térmica ou cinética
>localizada sem tocar (como com os ponteiros).
>Então, e se descobríssemos de algum modo como
>despertar ou maximizar tais capacidades em outras
>pessoas, quer fosse em um indivíduo geneticamente
>alterado para favorecer essa característica, ou
>através de algum meio artificial? De que sería-mos
>capazes?
>De quais formas mais podería-mos controlá-la ou em
>qual tipo de força mais podería-mos convertê-la???
>Notem que essa hipótese, por especulativa que seja
>abre um leque para possibilidades impressionantes uma
>vês que o proprio espaço - tempo está relacionado à
>energia cinética e não podemos afirmar que conhecemos
>todas as forcas e tipos de partículas que existem
>(vide teoria da matéria escura).
>
>Sei que este email tende a induzir um ponto de vista o
>mais cético possivel ou esquivo, entretanto,
>independente disso, ressalto que apenas estou tentanto
>lançar uma luz sobre as possíveis implicações
>decorrentes de se verificar verdadeira paracial ou
>totalmente, tais hipóteses que procurei levantar em
>meio a outras possibilidades como a de se tratar
>simplesmente de mero ilusionismo (pessoalmente
>discordo deste ultimo).
>O que me dizem???
>
Spok,
Esse é um truque muito, muito velho. Há diversos livros
que mostram como fazer e o truque já foi desmistificado
muitas vezes. Mas sempre há alguém que consegue
executar o truque com algumas variações e enganar
os outros.
Após mais de uma centena de anos de estudo de
"forças da mente", fica claro que essas ocorrências
não têm nada de extraordinário. São truques, ilusões
ou preparações que, quando bem feitas, conseguem
enganar os incautos. Mas testes mais rigorosos
(feitos por quem entende da coisa, como James
Randi) conseguem desmascarar de imediato a farsa.
E a coisa é assim simples: quem conseguir executar
uma proeza como essas de forma natural, pode
candidatar-se ao prêmio de *um milhão de dólares*
oferecido por Randi. Só que para ganhar o prêmio,
a façanha tem que ser feita debaixo de controles
científicos adequados. Resultado: ninguém até
hoje ganhou esse prêmio (que já existe há mais
de 15 anos).
Não assisto ao programa do Jô, mas se ele
realmente quisesse ser imparcial, deveria
entrevistar um cético também, que poderia
explicar o "milagre".
Até mais,
Sergio Navega.
From: Spok <spokmail@yahoo.com.br>
>
>OOPS, ACHO QUE ME EMPOLGUEI.
>
>Realmente foi uma "entrevista" muito superficial e
>confesso que não conheço como é feito o truque através
>do qual se obtém esse efeito, para assim poder tê-lo
>identificado.
>
Mas essa é a questão, Spok. Poucas pessoas conhecem como
o truque é feito. Exatamente por ser incomum, as pessoas
acabam dando valor à hipótese "mística" ou paranormal.
A questão essencial aqui é de pensamento crítico: quando
se tem um evento para o qual não se tem explicações, que
tipo de raciocínio devemos usar? Qual é a força que devemos
dar a hipóteses não naturais? Eu acho que o que deveria
ser incentivado na educação deste país é a busca pelo
conhecimento através do questionamento e da argumentação,
principalmente daquelas coisas que são duvidosas.
Isso não se aplica só a esse caso, aplica-se também à
ciência e mais ainda à ciência da mente. É, por exemplo,
muito fácil "postular" certos tipos de processos que
deveriam estar ocorrendo em nossa mente. Isto poderia nos
levar a criar certas teorias mentalistas que acabam não
tendo como ser confrontadas com a realidade (a psicanálise
freudiana é um exemplo clássico disso). Fica-se, então, com
idéias que podem ser usadas para "explicar" o passado, mas
que não têm muito poder preditivo.
Só para pegar o gancho de sua mensagem: o demérito que
vejo nessa história não é o garoto que engana com o truque.
O demérito é o programa do Jô, que apresenta a informação
sem apresentar a visão de um cético, que poderia desmistificar
e contribuir para a formação crítica de milhões de pessoas.
Infelizmente, não é fácil conseguir ibope com esse tipo
de coisa.
Até mais,
Sergio Navega.
From: JOHN CONSTANTINE <jconstan@sercomtel.com.br>
>
>Olá Sergio e lista,
>
>Interessante a tua colocação sobre os fenômenos paranormais e sobre a
>responsabilidade do Jô no episódio.
>
>Só não entendi bem a seguinte expressão sua: "Fica-se, então, com idéias que
>podem ser usadas para "explicar" o passado, mas que não têm muito poder
>preditivo".
>
>A impressão que fica é que a ciência teria a missão de dar-nos controle
>sobre as coisas. É isto?
>
É uma boa pergunta. Obviamente, todos nós queremos ter controle sobre
tudo, e não precisa ser cientista para isso. Também obviamente isso
não dá para se obter de forma total (embora possamos obter de
forma sistematica em alguns aspectos de nossa vida). Mas a minha
colocação precisa ser entendida em pelo menos dois escopos
diferentes. Vamos ao primeiro.
Quando falo em poder preditivo quero dizer poder de planejarmos
certas coisas para que funcionem de uma forma não surpreendente.
Um engenheiro, quando projeta uma ponte, está confiando que
todos os princípios técnicos e científicos que aprendeu vão
continuar a valer amanhã, na semana que vem, no ano que
vem. Isso é uma esperança futura, sustentada na solidez
das teorias físicas que temos atualmente.
Mas veja que não há um único princípio científico que tenha
esta garantia total. Tudo o que temos são *altíssimas*
probabilidades de que não teremos surpresas com as pontes
que projetamos. Essa é uma "esperança" que faz parte do
processo indutivo, que é um dos componentes essenciais do
método científico (embora não o único).
A segunda forma de interpretar aquilo que eu disse tem a ver
com o efeito das "multiplas interpretações históricas".
Quando você tem um punhado de dados experimentais em suas
mãos, há (em termos teóricos) um número infindável de
teorias que poderiamos utilizar para explicá-los. Certamente,
a imensa maioria dessas teorias seriam tolas, improváveis
ou extremamente complexas. Mas há algumas que tem certas
propriedades que as tornam preferíveis (simplicidade,
coerência com material teórico anterior, etc).
Não é muito difícil acabar com pelo menos duas teorias
que possam explicar um conjunto específico de dados. Uma
dessas teorias poderia ser "estapafúrdia", pois imagina
conceitos abstratos que não tem como ser comprovados
experimentalmente. Vou dar dois exemplos, um bobinho e
o outro mais próximo da realidade.
Exemplo 1
Temos em mãos os seguintes dados experimentais:
2 4 8 16
Teoria 1: É uma sequência de potências de 2
Teoria 2: É o número de rotações de um elétron instável
A teoria 1 pode ser falsificada, pois se coletarmos
um dado experimental e ele não for 32, então nossa
teoria está furada. Mas a teoria 2 não tem como
ser comprovada, pois se vier 75, a teoria vai aceitar
e dizer que esse é o padrão de rotação do elétron instável
(uma entidade abstrata que foi "inventada" para satisfazer
à teoria). A teoria 2 será sempre uma "tautologia", verdade
em qualquer situação.
Exemplo 2
Colhemos amostras do comportamento de uma pessoa durante
uma fase ruim de sua vida. O objetivo é tentar explicar
porque essa pessoa brigou ontem em um bar.
Teoria 1: Vai-se levantar um histórico das
ocorrências emocionais recentes dessa
pessoa e a partir de uma análise
cognitiva, que visa determinar a
probabilidade de ocorrência de atos
violentos.
Teoria 2: O ID está em conflito com o ego e com
o superego e este desbalanceamento
provocou a atitude agressiva exagerada.
A teoria 1 é falsificável, pois se levantarmos um novo
histórico dessa pessoa e se as probabilidades de
incidentes violentos não forem confirmadas, então a
teoria está furada. Esta é uma teoria científica.
Mas a teoria 2 *não é falsificável*, pois há sempre
uma forma de "inventar" novas relações arbitrárias
entre esses conceitos abstratos de forma a "explicar"
o passado. Só que essas explicações não nos permitem
*predizer o futuro*, ou seja, dadas situações novas
não se vai poder dizer o que irá ocorrer. Essa teoria
(cuja similaridade com a psicanálise não é acidental)
não pode ser dita como sendo científica.
Até mais,
Sergio Navega.
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