Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva
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Há várias dúvidas na lista recentemente sobre a significação
e validade dos sonhos em termos cognitivos. Acho que cabe
aqui uma nota acerca dos perigos existentes em análises
precipitadas sobre este assunto (os junguianos podem não
gostar disto...)
O ser humano é um "encontrador de padrões" por natureza. Se
ele se dispõe a encontrar padrões, então ele irá encontrá-los,
mesmo que não haja nenhuma regularidade real no está sendo
observado. Este é, em essência, o principal problema de todos
os que advogam causas místicas ou metafísicas para coisas
que funcionam, em essência, através de meros disparos de
neurônios.
Ao analisarmos sonhos pouco nítidos e interpretarmos
através de simbolismos vagos e incertos, podemos encontrar
*qualquer* tipo de informação que quisermos, basta distorcermos
um pouco nossas noções em função de pré-concepções. É necessário
fazer, tanto quanto possível, análises objetivas, mesmo que esse
fenômeno seja subjetivo.
E como fazer investigações objetivas de sonhos? É muito difícil.
Uma proposta é fazer uma análise "externa" e estatística de
resultados acumulados. Cada pessoa que participar do "experimento"
deve anotar seus sonhos da maneira descritiva mais fiel em uma
folha sem se identificar (apenas com um número de referência
que esconde o nome do autor). Em outra folha e com outro
código (também para esconder o nome do autor) deve ser listado
um acompanhamento das ocorrências diárias (do dia anterior e/ou
do dia seguinte), sem tentar estabelecer nenhuma relação com
o sonho, restringindo-se apenas a relatar as impressões do dia
(emoções, sentimentos, ocorrências, etc). Nota: é absolutamente
fundamental fazer este relato de impressões *todos* os dias, não
apenas nos dias em que se sonhou.
Uma terceira pessoa seria encarregada de analisar estatisticamente
as ocorrências de coincidências nas folhas de todos os participantes.
Após a conclusão da análise estatística (que apontaria a existência
de eventuais correlações), seria aberto o "código" que relaciona
cada par de folhas aos autores e aí então seria verificado (através
de novo estudo estatístico) se há relação (ou seja, a probabilidade
de haver ligação estatística) entre o que o sonho indicou e as
ocorrências diárias. É o mínimo que é necessário fazer em uma
investigação séria desse assunto.
Mesmo esse método (que é preferível à analise individual dos
sonhos pela própria pessoa que sonhou) tem suas falhas, pois
a lista de atividades diárias pode ter sido afetada pela
interpretação da própria pessoa (por isso a anotação em dias
que não se sonhou é importante, para verificar a distribuição
devida ao acaso). Tudo depende de efetuar um questionário
que tente reduzir (o mais possível) eventuais tendenciamentos.
Este processo é trabalhoso e difícil, mas é assim que a ciência
cuida das coisas. Ciência não é atividade fácil, exige muito
esforço, rigor e dedicação. Um trabalho como esse, rigoroso,
seria publicável.
Este seria um primeiro passo para verificar se há alguma
relação entre sonhos e eventos passados ou futuros. É o que
se esperaria (como atividade inicial) de um cientista que
se dispusesse a investigar esse assunto. Entretanto, o que
se verifica são interpretações tendenciosas, feitas por
pensadores que *querem* encontrar padrões, mesmo que eles
possam não existir.
Se não há hoje nenhuma publicação sobre sonhos em periódicos
científicos sérios, acho que isso pode ser indicador de que
os experimentos feitos por cientistas sérios *não obtiveram
correlação* mesmo durante a fase inicial de estudos. Ou seja,
não há muito de objetivo a se obter desse assunto. E se for
para imaginar hipóteses não-objetivas, prefiro ficar com a do
duende verde que "assobia" em nosso ouvido as coisas relativas
aos nossos sonhos.
Até mais,
Sergio Navega.
Caro Al'Thari,
Legal, um pouco de dialética é ótimo para avançarmos em alguns
pontos.
> From: Giovani Andreoli <andreoli@psico.ufrgs.br>
> >
> On Sat, 22 Apr 2000, Sergio Navega wrote:
> > Há várias dúvidas na lista recentemente sobre a significação
> > e validade dos sonhos em termos cognitivos. Acho que cabe
> > aqui uma nota acerca dos perigos existentes em análises
> > precipitadas sobre este assunto (os junguianos podem não
> > gostar disto...)
>
> And Giovani Souza Andreoli Nasr'Atthari wrote back:
>
> Sr Navega, eu li a tua mensagem e, podendo me considerar um
> estudioso de Psicologia Analitica (vulgo "junguiano", que, repito, eh um
> termo quase ofensivo), creio que posso falar enquanto representante da
> classe: eu realmente nao gostei, eu ADOREI o que li.
Thanks.
> > O ser humano é um "encontrador de padrões" por natureza. Se
> > ele se dispõe a encontrar padrões, então ele irá encontrá-los,
> > mesmo que não haja nenhuma regularidade real no está sendo
> > observado. Este é, em essência, o principal problema de todos
> > os que advogam causas místicas ou metafísicas para coisas
> > que funcionam, em essência, através de meros disparos de
> > neurônios.
>
> Exato. Esta eh a questao: existem "disparos de neuronios" E
> existem "padroes". A Psicologia Cognitiva se propoe a estudar o primeiro,
> e a Psicologia Analitica o segundo. Por isso nao sao excludentes, apenas
> possuem objetos de estudo diversos; ou melhor, seria mais correto dizer,
> abordagens diversas para o mesmo objeto de estudo, que eh a psique humana.
Hum...eu diria isso de forma um pouco diferente. Os disparos dos
neurônios são estudados pelos neurocientistas (o hardware do cérebro),
enquanto que a psicologia cognitiva (Ciência Cognitiva para ser mais
amplo) estudaria as estratégias de manipulação de informação, sem se
importar tanto com seu substrato físico. Nesse aspecto, o que é considerado
"padrões" fica um pouco sem "lugar". Neurocientistas podem se ater a
investigar os padrões de disparo síncronos de grupos de neurônios
enquanto cientistas cognitivos podem se ater a investigar, por exemplo,
os padrões de decisão sob incerteza da mente. Que lugar ocuparia
as estratégias Junguianas?
> > Ao analisarmos sonhos pouco nítidos e interpretarmos
> > através de simbolismos vagos e incertos, podemos encontrar
> > *qualquer* tipo de informação que quisermos, basta distorcermos
> > um pouco nossas noções em função de pré-concepções. É necessário
> > fazer, tanto quanto possível, análises objetivas, mesmo que esse
> > fenômeno seja subjetivo.
>
> O simbolo, por definicao, em Jung, eh "vago e incerto". Isto eh o
> que enriquece o processo e interpretacao. Diferente da Psicanalise, nao se
> busca uma "reducao a primeira figura", mas sim uma teia de associacoes
> virtualmente infindavel.
Entendo o que você diz aqui. Mas não concordo. Há um potencial problema
que espero ser hábil o suficiente para explicar. Quando você menciona
que um símbolo pode ser incerto e vago, você está mencionando que
não é o símbolo em si que é vago, mas sim sua interpretação. Um símbolo
não tem vida própria, ele só é reconhecível através de um emaranhado
semântico que a ele esteja associado. Este é o problema: cada pessoa
dispõe de um suporte semântico diferente para símbolos idênticos. Há
pouca (se é que existe alguma) coincidência entre as noções semânticas
de pessoas distintas, mesmo que usem o mesmo símbolo (no sentido
Peirceano). A dificuldade de encontrar uma forma objetiva de avaliar
a significação desses elementos semânticos torna toda a análise
junguiana altamente subjetiva. É isto que acho criticável. A ciência
cognitiva tenta por todos os meios idealizar modelos e teorias da
mente que sejam objetivamente verificáveis. A grande vantagem disto
é obter modelos com grande capacidade preditiva e explanatória,
exatamente como as ciências naturais devem fazer.
> > Uma proposta é fazer uma análise "externa" e estatística de
> > resultados acumulados. Cada pessoa que participar do "experimento"
>
> Muito do trabalho de Jung passa por exaustivas analises
> estatisticas e por comparacoes de arcaboucos mitologicos de diferentes
> culturas, e da correlacao entre ambos. Enagan-se quem acha que eh apenas a
> analise pessoal o que guia a teoria da Psicologia Analitica.
> Obviamente, a metodologia nao se dispoe a trabalhar com o objeto
> da Psicologia Cognitiva, como eu jah expus.
Sim, mas até que ponto os modelos e idéias propostos por Jung são
efetivamente falsificáveis? Não estou querendo ser muito Popperiano,
apenas quero saber de que forma podemos *testar* o que Jung fala?
> > Mesmo esse método (que é preferível à analise individual dos
> > sonhos pela própria pessoa que sonhou) tem suas falhas, pois
> > a lista de atividades diárias pode ter sido afetada pela
> > interpretação da própria pessoa (por isso a anotação em dias
> > que não se sonhou é importante, para verificar a distribuição
> > devida ao acaso). Tudo depende de efetuar um questionário
> > que tente reduzir (o mais possível) eventuais tendenciamentos.
> > Este seria um primeiro passo para verificar se há alguma
> > relação entre sonhos e eventos passados ou futuros. É o que
> > se esperaria (como atividade inicial) de um cientista que
> > se dispusesse a investigar esse assunto. Entretanto, o que
> > se verifica são interpretações tendenciosas, feitas por
> > pensadores que *querem* encontrar padrões, mesmo que eles
> > possam não existir.
>
> Como tu mesmo jah colocaste, os padroes sao intrinsecos a natureza
> humana. Jung, quando apresenta a sua teoria, diferente de Freud, Adler,
> Lacan e outros da area proxima (nao igual), jah deixa claro que sua
> propria estrutura subjetiva interfere na estrutura da teoria, e que isto
> nunca deve deixar de ser levado em conta.
Eu tenho dúvidas sobre esta idéia de se construir teorias que se
baseiam essencialmente em constatações subjetivas. O que é subjetivamente
verdadeiro para Jung pode não o ser para outras pessoas. Como fazer
para avaliar o que se está propondo?
> Por isso a minha metafora a respeito do computador, a qual me
> sinto impelido a repetir: se pensarmos o ser humano enquanto um computador
> organico, a Psicologia Cognitiva eh o estudo do "software" desta maquina a
> partir da visao de um cientista (ou seja, uma referencia externa,
> imparcial, objetiva); a Psicologia Analitica eh o estudo do "software"
> desta maquina a partir da visao de outro "software" de outra maquina, que
> acaba analisando a si mesma no processo. De fato, a teoria em sua essencia
> mais fiel coloca que nao se pode analisar nem a si nem ao outro, mas sim a
> mistura de ambos e os processos resultantes.
>
Sua analogia aqui é tentadora, mas ainda não consegue me dissuadir
da idéia do risco que se corre em usar a subjetividade como padrão de
mensuração.
> > Se não há hoje nenhuma publicação sobre sonhos em periódicos
> > científicos sérios, acho que isso pode ser indicador de que
> > os experimentos feitos por cientistas sérios *não obtiveram
> > correlação* mesmo durante a fase inicial de estudos. Ou seja,
> > não há muito de objetivo a se obter desse assunto. E se for
> > para imaginar hipóteses não-objetivas, prefiro ficar com a do
> > duende verde que "assobia" em nosso ouvido as coisas relativas
> > aos nossos sonhos.
>
> Com certeza. A maioria dos ditos "junguianos" nao sabe o que fala,
> assim como pessoas como o "Abominavel Joao das Neves" se consideram
> "cientistas" mas nao conseguem manter um dialogo com nivel intelectual
> significativo. Se nao houver logo uma renovacao dentro do corpo de
> estudiosos em Psicologia Analitica, acabando com a "balela" e buscando uma
> verdadeira evolucao da teoria, ateh mesma confrontando-a com as mais
> recentes descobertas da Psicologia Cognitiva e da Genetica, nunca se
> publicara nada de util, nada de valido, e nada sera descoberto.
Concordo, há que se procurar uma validação e comparação da teoria com
outras. Que vença a que tiver melhor desempenho (objetivo!) na predição
e modelagem desse complexo sistema que é a mente humana.
Até mais,
Sergio Navega
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