Capítulo 5

Trechos do Livro
Pensamento Crítico e Argumentação Sólida

@ Copyright 2002 Sergio Navega

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Embora o formato deste capítulo sugira que ele deva ser usado como referência enciclopédica, há muitas vantagens em ler o texto inteiro, pois frequentemente procuramos adicionar comentários que vão além da simples descrição das falácias. Além disso, muito de argumentação pode ser aprendido apenas através da observação dos casos típicos que apresentamos. Uma outra vantagem da leitura deste capítulo é a diversão: frequentemente as falácias são engraçadas.

Ad Hominem

Ataque Ao Homem
Ad Hominem Abusivo

Esta falácia consiste em referir-se ao oponente de forma pessoal e abusiva através de insultos e ataques verbais. Contudo, não é simplesmente "xingar" o oponente, mas usar isso como arma para desacreditar ou reduzir a força de sua argumentação. Essa falácia ocorre naquelas situações em que se confunde atacar o argumento com atacar a pessoa que o proferiu.

"Todos sabemos que o nobre Deputado é um mentiroso e trapaceiro e contumaz, portanto como podemos concordar com sua idéia de redução de impostos?"

"Ateismo é uma filosofia malévola, praticada por comunistas e assassinos"

"Foi só pôr aquela peruca, e passei quatro meses sem falar uma coisa inteligente"
Sigourney Weaver, que usou peruca loira para o filme Galaxy Quest

"Senhor, vi no balcão do açougueiro uns miolos parecidos com os seus"

Infelizmente, o Ad Hominem é uma das táticas mais comuns, mesmo em discussões educadas e formais. Afinal, é muito mais fácil atacar uma pessoa do que suas idéias. Para atacar estas últimas, é necessário achar contra-argumentos e evidências em contrário, tarefa frequentemente árdua. Contudo, para atacar uma pessoa basta dispor de um bom dicionário de palavrões.

O Ad Hominem Válido: Ao Testemunho

Há uma maneira de usarmos a estrutura Ad Hominem de forma válida: é quando ela faz parte não de um ataque a um argumento, mas sim de um ataque a um testemunho. Alguém pode desacreditar o testemunho de uma pessoa ao mencionar que ela é sabidamente mentirosa ou psicótica. Isto poderá nos fazer rever a significação de seu testemunho perante nossa argumentação. Entretanto, não podemos automaticamente invalidar a argumentação de uma pessoa que é considerada desequilibrada, só pelo fato de ser desequilibrada. Em outras palavras, não é porque alguém é louco que sua argumentação está automaticamente descartada!

Ad Hominem Válido

"O Senhor está bêbado, como posso acreditar que presenciou este distinto cavalheiro roubando aquela senhora?"

Ad Hominem Inválido

"O Senhor está bêbado, como posso aceitar que me diga para não estacionar com meu carro em cima da calçada?"

O Ad Hominem Circunstancial é uma falácia que ocorre quando se desconsidera o argumento por causa de motivos ou circunstâncias especiais de quem o proferiu. Para saber mais sobre isso, veja a falácia Envenenamento de Poço.

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Clamando Pela Questão

Begging The Question
Petitio Principii
Petição de Princípio
Argumento Circular

A falácia acontece quando se usa a conclusão que se está tentando estabelecer como componente de uma das premissas ou como um dos suportes de premissas. Um argumento circular é uma construção na qual se reescreve a conclusão e se usa como premissa.

"Eu não sou um marginal, porque não fiz nada de criminoso"

"Deus existe porque isso é dito explicitamente na Bíblia. E é claro, a Bíblia é totalmente verdadeira, porque é a palavra de Deus"

"Usar livros didáticos com palavras profanas e obscenas é imoral, porque não é correto para nossas crianças lerem textos vulgares e desrespeitosos"

Observe que não é necessário ser contra a conclusão deste "argumento", afinal de contas, quem em sã consciência poderia tolerar livros didáticos com palavras obscenas? Mas essa forma de argumentar é equivalente a uma pessoa tentar dar um chute em seu próprio traseiro. Veja mais exemplos:

"Não existe preso político no Brasil, mas apenas cidadãos que foram condenados por atividades políticas não permitidas pela lei"
Eurico Resende, político capixaba (Stycer 1996)

"Esta empresa é muito paternalista em sua política de treinamento, porque ela trata seus funcionários como crianças"

Tratar seus funcionários como crianças pode ser substituído por "Ser paternal em relação aos funcionários". Então, o argumento acima fica assim: "A empresa é paternalista porque ela é paternal em relação aos funcionários". Dã!

"A mulher que teve a infelicidade de se casar com um corno, só pode se consolar dormindo com todo mundo"
Sacha Guitry

Um exemplo clássico desse tipo de raciocínio é frequentemente encontrado em frases de fanáticos religiosos:

"Se alguém nega as estipulações religiosas, essa pessoa é um infiel, e a punição para essa pessoa é muito clara"
Aiatolá Ali Khamenei, "argumentando" que aqueles querendo discutir o relaxamento da pena de morte devem ser executados

"Não somos pessoas preconceituosas, em absoluto. Além de lavadeira e um excelente motorista negro, as duas cozinheiras que tive na vida são pretas telefônicas"

Uma forma de combater esse tipo de falácia é reescrever o argumento em uma forma padrão que demonstre bem a sua circularidade:

"Em outras palavras, você está dizendo que se X é verdadeiro, então é porque X é verdadeiro!"

Argumentos circulares podem ser usados em sequências maiores que podem confundir à primeira vista. O exemplo seguinte foi baseado em uma real discussão sobre a idéia de não se permitir homossexuais no Serviço Secreto Britânico:

"Homossexuais não podem ser admitidos em cargos críticos do governo. Portanto, todos os homossexuais que estejam ocupando esses cargos, devem ser demitidos. Por causa disso, os homossexuais farão de tudo para esconder o seu segredo e dessa forma estarão suscetíveis a chantagem. Não podemos permitir pessoas no governo suscetíveis a chantagens. Por isso, homossexuais não podem ser admitidos para cargos críticos do governo".

Nem é necessário analisar o corpo desse argumento -- por si só, recheado de outros argumentos falaciosos -- basta apenas observar a primeira e a última frase para notar que é circular, e portanto inválido.

Uma outra situação comum, embora nem sempre constituindo um argumento, acontece quando alguém tenta "explicar" um evento através de sua definição:

"Professor, o que é 'flutuar' "

"Tudo aquilo que é menos denso do que a água irá flutuar, porque esses objetos não afundam na água"

A falácia Clamando Pela Questão também ocorre quando se usa como premissa algo que seja tão ou mais questionável quanto a própria conclusão. Este exemplo mostra como isto ocorre:

"Alienígenas estão abduzindo mais e mais vítimas inocentes a cada dia. O governo certamente está ciente disso. Portanto, o governo está compactuando com os alienígenas"

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Red Herring

Falácia da Diversão
Missing the Point
Ignoratio Elenchi
Conclusão Irrelevante

O Red Herring é a introdução de material irrelevante ao ponto em discussão, em geral com o objetivo de desviar o argumento para outra conclusão, muitas vezes mais fácil de ser atacada. Note que isto é relativamente diferente do que ocorre com o Espantalho, onde o argumento é deformado (enfraquecido) para depois ser atacado.

"Você pode dizer que a pena de morte é ineficaz para combater o crime. Mas e quanto às vítimas do crime? Como você acha que ficam os familiares do vitimado, sabendo que aquele que o assassinou está sendo mantido em uma prisão às custas do dinheiro dos contribuintes, ou seja, dos próprios familiares da vítima? É justo que esses familiares paguem pelo sustento desse marginal?

Neste caso, o argumentador desviou o assunto até chegar a algo que é totalmente diferente do que a alegação inicial, mas muito mais fácil de ser atacado. Não é correto atacar essa versão como se estivessemos atacando o argumento original. A principal diferença entre o Red Herring e o Espantalho é que o primeiro não reconstrói o argumento original em bases mais fracas, mas sim tenta desviar a questão progressivamente para outro lado diferente e irrelevante, em geral muito mais fácil de ser atacado. Essa versão falsa do argumento original pode, inclusive, ser aceitável para o oponente. Mas esse desvio deixa sem responder a questão original.

"Não acho que homens e mulheres devam ganhar o mesmo salário por funções iguais. Sou contra a igualdade entre os sexos. Em um shopping center, imagine o que aconteceria se os banheiros fossem unissex: tanto homens quanto mulheres ficariam desconfortáveis. Você não acha que tenho razão?"

"A discussão da proibição de fumantes em ambientes fechados não é oportuna. Todos nós desejamos melhorar a qualidade do ar que respiramos, mas não é justo que se faça isso com os fumantes se há coisas mais graves a atacar. A poluição do ar de nossa cidade é muito mais grave por causa dos automóveis que nela circulam. Seria muito mais importante concentrarmos nossos esforços no estabelecimento de mecanismos de redução da poluição de veículos automotores".

O argumentador expôs um caso até mesmo relevante: devemos nos preocupar com a poluição automobilística. Mas isto nada tem a ver com a restrição do fumo em ambientes fechados, algo justificável por si só. Por isso, o argumento acima é um Red Herring, pois apela para a poluição automobilística para desviar a atenção do ponto central da questão.

Esta falácia também é conhecida por Ignoratio Elenchi (ignorância da refutação), embora este termo possa ser usado para englobar a maioria das falácias informais (apelo à pena, emoção, autoridade, etc). Em todos esses casos, está-se usando de um recurso inconveniente para desviar a atenção do suporte correto que a conclusão deveria ter.

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Falácia da Esperança

Wishful Thinking

Esta falácia decorre da idéia de assumir que se algo é muito bom, então deve ser verdadeiro ou deve ocorrer. Também acontece quando algo que é visto como muito ruim passa a ser assumido como falso -- ou nega-se que possa ocorrer. Esta falácia é, infelizmente, muito comum e costuma representar a esperança das pessoas nos melhores resultados possíveis, mesmo em situações bastante adversas. É um dos principais combustíveis do "misticismo", tão popular em nossos dias. Mas uma coisa é desejarmos ardentemente o melhor, outra bem diferente é avaliarmos criticamente que o pior pode ocorrer, precavendo-nos com alternativas racionais. A falácia ocorre quando usamos, como premissa, uma proposição que expresse nosso desejo de que a conclusão seja verdadeira.

A falácia também está relacionada às racionalizações, sequências inválidas de crenças que usamos para suportar nossos desejos. Essas racionalizações tipicamente acabam "nublando" nossa visão da realidade. Um exemplo típico é este:

"Seu guarda, sempre tomei 10 copos de cerveja por noite, nunca tive problemas no trânsito. Sou mais resistente que a maioria das pessoas"

Para persistir nessa crença, essa pessoa possivelmente terá idealizado uma série de "desculpas" de forma a justificar seus eventuais erros ("...ah, mas aquele poste está muito mal localizado, a batida daquela noite não foi culpa minha...").

"Meu marido está desaparecido há dez anos, mas eu sei que ele está vivo. Ele simplesmente não pode estar morto"

"Existe um casamento perfeito aguardando por você. Se você procurar bem por aí, achará seu parceiro perfeito"

A noção de que existe "um parceiro perfeito" é uma racionalização perigosa, pois leva a pessoa a descartar eventuais oportunidades que podem ser muito boas -- talvez as melhores que possamos encontrar dentro do curto período de nossas vidas -- mas não perfeitas.

Há uma verdadeira montanha de livros de "auto-ajuda" sendo publicados com basicamente esse tipo de mensagem falaciosa -- as únicas variações sendo relativas ao tema, mas a argumentação é sistematicamente pobre. Corre-se um grande risco ao se deixar levar por essa carga de esperança injustificada, o wishful thinking. Versões mais sofisticadas dessa falácia podem enganar muitas pessoas.

"Deve haver vida após a morte, pois todas as pessoas desejam isto. É parte da natureza dos seres humanos desejar viver após sua existência física. Assim como o desejo por comida, água e sexo, todos saciáveis, o desejo pela vida após a morte é universal"

Mesmo que assumissemos que o desejo por vida após a morte seja universal, é perfeitamente concebível que nada decorra disso. Podemos considerar, por exemplo, que todos temos desejo por mais dinheiro do que temos, mas é certo que nem todos conseguirão o que desejam. Desejar algo, mesmo que possa ser considerado universal, não é razão suficiente para que esse desejo automaticamente se realize. É necessário atitude ativa em busca do que se deseja, e mesmo assim sujeito às limitações do que pode ser feito no mundo natural. Uma adolescente que tenha engravidado acidentalmente pode desejar com todas as suas forças não estar grávida, mas sua situação em nada será alterada apenas por causa disso.

"Eu agradeço a Deus e louvo a sua graça e bondade por ter escolhido um mártir de dentro de minha família"

Sheik Hassan Nasrallah, secretário geral da Hizbollah, cujo filho mais velho foi morto por soldados israelenses

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Veja o nome das outras falácias que analisamos no livro

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