Capítulo 3 | Trechos do Livro |
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@ Copyright 2002 Sergio Navega |
Se você não gosta de matemática ou de lógica, sei que vai tentar fugir deste capítulo. Proponho que você me dê uma chance de expor esse assunto árido de uma forma um pouco diferente. Mas antes de iniciar, é preciso dizer o óbvio: o exemplo acima está furado. Você saberia dizer por que?
De Onde Veio a Lógica?
A 30 mil anos atrás, as condições de vida dos seres humanos era bem diferente da atual. Não havia "supermercados", por isso, o Homo Sapiens precisava constantemente se envolver em trabalhosas -- e muitas vezes perigosas -- atividades de procura e coleta de alimentos. Além disso, nossos antepassados tinham uma perene preocupação com a sua segurança e a de seus entes queridos mais próximos (bom, essa nós ainda temos!). Havia também um intenso medo do desconhecido, sobretudo quando se estava à mercê de eventos naturais exuberantes, como tempestades e trovoadas intensas. A natureza, em certos momentos, é amedrontadora.
Mas havia também épocas de calmaria e de fartura. Até aqui, não falamos de nada que seja muito diferente do dia-a-dia dos demais animais deste planeta. Entretanto, o Homo Sapiens tem uma importante diferença em relação aos outros seres vivos: ele dispõe de um cérebro proporcionalmente grande e bastante sofisticado. Esse cérebro evoluiu para dar maior adaptabilidade e capacidade de realização a esse animal, o homem. Mas esse cérebro, com todo esse grande potencial, também tem muita capacidade de sobra, o suficiente para provocar alguns "efeitos colaterais". Por sorte, esses efeitos colaterais fizeram o ser humano ter habilidades para uma série de outras atividades mentais, até mesmo além do que era necessário para o seu ciclo de nascer, crescer, reproduzir e morrer.
Junte um cérebro inteligente com algum tempo livre e o que resulta é o pensamento reflexivo. O Homo Sapiens começava a se perguntar coisas, começava a sonhar, a imaginar, a questionar. A princípio, seus pensamentos deveriam girar essencialmente em torno das atividades que consumiam seus esforços diariamente. Com o tempo, e justamente devido a essa capacidade mental excedente, o ser humano começou a refletir sobre o seu próprio pensamento. Uma intensa necessidade de convivência social completa este quadro.
Dessas atividades muitas coisas surgiram, como misticismos, práticas rituais, danças e um sem-número de outras atividades que não pareciam estar diretamente ligadas à questão da sobrevivência. O ser humano ambicionava mais, queria ir mais longe, podia ir mais longe.
É dessa ambição, junto com o poder de seu mecanismo cerebral, que a investigação do pensar frutificou-se. Vamos pular agora do Homo Sapiens arcaico para os filósofos da grécia antiga.
Aristóteles, nosso personagem do Capítulo 1, desponta aqui novamente como figura importante. Ele e os seus contemporâneos tinham uma preocupação de obter a perfeição do raciocínio, algo como "as leis fundamentais do pensamento", o que ainda hoje é o objetivo de muitos. A lógica é uma das formas propostas de se obter essa perfeição. Veremos, no entanto, que essa forma tem algumas desvantagens e limitações.
Se na época de Aristóteles tinhamos o ideal da busca da perfeição através das palavras, hoje busca-se esse ideal através de linguagens rigorosas, como as notações simbólicas e matemáticas da lógica moderna.
De qualquer maneira, o objetivo do pensador lógico é obter princípios generalizadores, estruturas que não são obtidas diretamente pelas informações que captamos pelos nossos sentidos, mas sim através do que conseguimos perceber estudando e pensando sobre o que temos em nossa memória. A lógica seria, assim, uma atitude de reflexão sobre a verdade ou falsidade de idéias e proposições que crescem espontaneamente em nossa mente. A generalização que a lógica procura obter tem como foco principal a forma e a estrutura das frases e pensamentos, até que se chegue a um ponto onde os pensamentos originais sejam desnecessários, só restando suas formas genéricas. Como exemplo, é intuitivo e óbvio que a sequência de frases abaixo seja verdadeira:
O que torna a lógica possível é o fato de que a sequência abaixo também parece ser óbvia, embora seja meio estranha:
Você sabe o que é um Zóide? Sabe o que significa Quacar? Se você souber, por favor me diga, pois eu não sei. Mas eu sei que se todos os Zóides nascem sabendo Quacar, então Zib, que é um Zóide, irá Quacar também. A operação que fizemos em nossa mente para entender essa estrutura nos permite aceitar qualquer sequência com essa mesma estrutura:
Essas formas gerais de raciocínio tem importantes propriedades:
São Impessoais
São Universais
São Auto-Suficientes
São Definitivas
Portanto, um dos objetivos fundamentais da lógica é obter e estudar essas formas gerais de raciocinar. E assim conseguimos entender o que significa lógica: é a arte de estudar a validade ou não das estruturas gerais de pensamento, independente do seu conteúdo (significado).
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No exemplo acima, após desenhar S e P sem nenhum ponto de contato, colocamos três representações possíveis para a segunda premissa. Todas elas tem que ter em comum a presença de alguns elementos do conjunto P, pois é isso que afirma a premissa 2. Mas observe que cada uma dessas posições afirma coisas especiais sobre a relação entre T e S. O círculo T1, por exemplo, diz que todos os S estão dentro do T1. Já o T2 afirma que alguns S estão dentro de T2, alguns fora e outros dentro de P. Com o T3, mostramos que não podemos dizer nada acerca da presença de S em T: mesmo obedecendo à premissa 2, nada pode ser dito sobre a presença de elementos de S. Assim, a única conclusão razoável que sobra é que alguns T realmente não são S, pois isso é suportado por todas as nossas tentativas. Por isso, a conclusão decorre das premissas e o silogismo é válido.
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Como nenhum Desonesto é Virtuoso, desenhamos dois círculos sólidos sem nenhuma parte em comum. Basta agora desenhar todas as posições para os Políticos tal que não haja nenhuma posição em comum com os Desonestos (Ok, ok, concordo que este exercício é totalmente irreal!).
Os círculos P1, P2, P3 e P4 são todas as possibilidades. É fácil observar que o P1 é o único que é coerente com a conclusão. Tanto o P2, P3 e P4 refutam a conclusão, portanto o silogismo é falso.
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Indução, Dedução, Causas e Modelos
Este assunto não é muito fácil de explicar e para evitar ser muito teórico ou acadêmico, preferi apelar para um exemplo bastante simples, mas revelador. É uma situação fictícia, cuja sequência de raciocínios pode não ser exatamente a que teríamos em circunstância similar, mas que revela passo a passo um processo de investigação que deixa claro os conceitos que quero apresentar.
Suponha que você acabou de ser contratado para trabalhar em uma grande mercearia. Todos os dias, o dono chega às 6 hs da manhã e ele é muito enérgico com todos os funcionarios: exige que todos também estejam lá a essa hora. Após alguns dias de trabalho, você percebe que o chefe é bastante regular, chegando sempre naquele horário. Obviamente, isso não dá margem para os funcionários chegarem um pouquinho atrasados, pois serão "pegos" pelo chefe, sempre pontual. Assim, você percebe um padrão, um evento que teima em acontecer sempre da mesma forma. Isto o leva a induzir que, em todos os dias futuros, o seu chefe chegará no mesmo horário.
Mas em um certo dia, você percebe que ele chegou às 8:15 hs. Isso é algo notório para você, pois de certa forma isso "desafia" a sua indução anterior -- além disso, você fica irritado, pois se soubesse desse atraso teria ficado mais tempo na cama. Este é o primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar: importantes fontes de informação são justamente aquelas que nos revelam coisas "surpreendentes", coisas que contradizem as nossas expectativas. Mas essa surpresa termina no dia seguinte, pois o chefe voltou a chegar no horário de sempre. Será que foi somente dessa vez? Não parece ter sido uma ruptura do padrão anterior, somente uma exceção -- um "ruído". Os dias passam e os padrões se repetem: o chefe chega às 6 hs.
De repente, em um outro dia, ele novamente chegou atrasado. Naturalmente, você cogita em obter uma explicação. Há algum padrão que possa ser detectado? Ora, hoje, o dia em que ele novamente chegou atrasado, é uma segunda-feira. É interessante notar que a última vez que o chefe chegou tarde também era segunda-feira. Será que há algum padrão ocorrendo aqui?
Através da observação dessa hipotética regularidade, você chega à conclusão de que deveria monitorar o que vai ocorrer na próxima segunda-feira. Em outras palavras, você usou sua indução para estabelecer uma hipótese e assim vai querer verificá-la. Dito e feito, na segunda-feira seguinte ele novamente chegou tarde. Acabamos de construir um outro padrão, construído sobre o padrão anterior. Isto nos dá a capacidade de fazer predições úteis: na próxima segunda-feira, os funcionários todos poderão acordar um pouco mais tarde, pois o chefe não estará lá para "pegá-los no pulo". Desta forma, nosso raciocínio indutivo possibilitou-nos a construção de uma regra, algo que especifica o comportamento futuro do mundo, algo que nos é útil (claro, só não é útil para o chefe!).
E assim a coisa funciona por algum tempo. Estão todos contentes, porque conseguiram "otimizar" seu período de descanso do domingo para a segunda. Mas o mundo é mais complexo do que parece. Chega um certo dia e o chefe, inexplicavelmente, chega às 6:00 hs em uma segunda-feira!
Todos chegaram atrasados e todos receberam uma repreensão. Que chato! Mas, também, que misterioso! Por que ele chegou cedo nesta segunda-feira? O que tem este dia em particular em relação às outras segundas?
Ao fazer essa pergunta, você estaria tentando observar que tipo de evento ou circunstância não ocorreu nos outros dias e ocorreu hoje -- ou vice-versa, aquilo que sempre ocorria e que hoje não ocorreu. Você estaria se perguntando acerca da causa daquela situação. Está procurando melhorar a sua regra, torná-la mais apta a predizer com sucesso. Isto pode lhe incentivar a efetuar uma investigação. Um dos funcionários, por exemplo, poderia dizer que o carro do chefe sempre está excepcionalmente sujo de barro às segundas, mas que nessa segunda em particular não estava. Um outro funcionário mencionaria que o chefe tem um sítio a 2 hs da cidade e que ele tem o costume de passar o fim de semana lá. Ora, pensamos nós, então isto pode significar que ele, às segundas-feiras, vem direto do sítio para o trabalho, o que o faria chegar tarde. Vir do sítio às segundas seria a causa de seu atraso e isto o faria chegar com o carro sujo de barro.
Desta forma, naqueles fins de semana nos quais o dono não tivesse ido ao sítio, provavelmente seriam os dias em que chegaria cedo às segundas. Assim, conseguimos elaborar uma teoria, algo que pode ser testado na prática e que envolveu uma série de passos de raciocínio. Se fossemos continuar coma nossa estória, fariamos os personagens tentarem obter, já na sexta-feira, a informação da viagem ou não do chefe ao sítio, para poder, nos casos adequados, aproveitar mais alguns momentos de cama na segunda-feira de manhã.
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